Sobre o livro Sob três bandeiras: Anarquismo e imaginação anticolonial

Deixo aqui um comentário sobre o livro “Sob três bandeiras: anarquismo e imaginação anticolonial” de Benedict Richard O’Gorman Anderson. Gostei bastante do mesmo, é um bom mergulho na apaixonante cena política de finais do século XIX.
Ah, a versão que li é em espanhol (Bajo tres banderas: anarquismo e imaginación anticolonial).

O livro de Benedict Anderson busca compreender as redes intercontinentais em que estavam inseridos as lutas anticoloniais que sacudiam o império espanhol em finais do século XIX. Com esse objetivo, são enfocados dois jovens nacionalistas filipinos, o novelista José Rizal e o folclorista e periodista polemista Isabel de los Reyes. Por meio desses filipinos, que atuaram politicamente tanto na Europa quanto em sua terra natal, são desnudadas as conexões artísticas, culturais e sociopolíticas que conectavam os lutadores anticoloniais filipinos e cubanos com anarquistas, marxistas e republicanos radicais europeus além de republicanos japoneses e rebeldes nacionalistas chineses.

No caminho são analisadas, desde a periferia do império espanhol, o interesse de Isabelo pelo folclore como “ciência” do século XIX e a articulação dessa com os nacionalismos em voga, seu longo e fraterno contato com acadêmicos europeus e, em circunstâncias mais sombrias, com o anarquismo em solo espanhol devido à prisão originada nas Filipinas. Já a produção literária de Rizal é contraposta com a literatura anticolonial europeia e a produção do autor (que acabaria por inspirar jovens nacionalistas filipinos) é analisada à luz das influências que o mesmo sofreu de autores europeus bem como de sua criação nas Filipinas sob controle das ordens religiosas e o cenário político da época.

Cenário político que é composto por Anderson em três mundos que cortam a vivência desses filipinos na década de 1880: o sistema-mundo interestatal de 1860-1890 dominado por Bismarck; a esquerda planetária pós Comuna de Paris até fins do século XIX, hegemonizada pelo anarquismo (marcado pela influência niilista), e por fim, o decadente mundo imperial espanhol marcado por guerra civis e instabilidade na metrópole, pela perda das colônias americanas e pelas lutas anticoloniais lideradas por Cuba.

Essa história global interconectada tem como ápice o capítulo final, sugestivamente chamado de Montjuïc – a atroz prisão em que os inimigos do regime espanhol eram presos, torturados e executados. É nela que podemos encontrar presos cubanos, filipinos e europeus, indivíduos cujas lutas já lhes haviam aproximado nas cosmopolitas cenas políticas de capitais europeias como Paris e Londres e que agora compartilhavam infortúnios comuns. Anderson, inclusive, dedica certa atenção às fascinantes vidas de diversos desses indivíduos, incluindo artistas, terroristas, anarquistas, etc. (e que frequentemente podiam ser definidos por mais de um desses adjetivos). Sinal dos frutos dessas conexões é que Isabelo, após sair da prisão, e impedido de criar seus jornais e partido nacionalista nas Filipinas ocupadas pelos Estados Unidos, resolve organizar os trabalhadores filipinos com base na experiência anarquista espanhola que havia conhecido e admirado de seus colegas de prisão.

Cabe dizer, por fim, que embora seja um livro de historiador acadêmico, sua leitura é prazerosa, sendo quase um “romance histórico”. O único “contra” de sua abordagem é que o autor, priorizando a narrativa, não realiza reflexões pontuais sistematizando as conexões e conclusões levantadas, isso exige que o próprio leitor se atente para perceber seus insights teóricos e conclusões de maior fôlego, podendo passar batido por esses enquanto vamos deslindando as diversas e interessantes vidas que passam pela caneta do autor.